Obra rara assinada pela Brigada Portinari é parte do acervo da UFRPE


Painel Brigada Portinari, de 1986, alocado na BC-UFRPE

A Brigada Portinari foi um coletivo de artistas, coordenado por Ivaldevan Calheiros, que integrou o Movimento Brigadista que fez parte do cenário político-artístico de Pernambuco, na década de 1980. Esse movimento foi inspirado nas artes muralista surgidas, inicialmente, no México e depois usada no Chile, no início do século XX, que consistia na produção de artes por jovens artistas em um contexto de divulgação política. Em Pernambuco, as brigadas muralistas surgiram com o objetivo de divulgar as ideias dos novos partidos políticos, criados a partir da Anistia concedida em 1979, e como forma de driblar as restrições impostas à propaganda política da época.
No Brasil, os grupos murais também tinham uma conotação política, poia vivia um processo de resistência contra a ditadura e de luta pela democracia. Os anos de 1983 e 1984 foram marcados pelo movimento civil de reivindicação por eleições diretas para presidente, movimento conhecido como Diretas Já. Nesse período, os artistas se uniram para realizar coletivamente ilustrações em muros e paredes de locais com grande fluxo de pessoas. Para além do objetivo político, o movimento buscava democratizar as artes, aproximar a arte da população, pintando cenas do cotidiano da sociedade, rompendo assim, com uma visão de arte elitista, restrita a galerias e museus. Dessa forma, os artistas também disseminavam a cultura local e seus trabalhos.
O projeto Artes da UFRPE identificou uma obra da Brigada Portinari, realizada em 1986, localizada nas dependências da Biblioteca Central dessa Universidade. A obra é composta por dois painéis, um primeiro de 1,90m de altura e 3,94m de largura, e um segundo com 2,60m de altura e 2,75m de largura. 



O prédio da Biblioteca Central da UFRPE – BC/UFRPE é denominado Professor Mário Coelho de Andrade Lima. Ele foi construído em 1976, ampliado em 1980 com a construção de um anexo, composto por 03 pavimentos, passando então a ocupar área física de 3026 m². O painel foi criado, a convite da diretora do órgão da época, a Bibliotecária Maria Lúcia Mendonça Melo, para ilustrar a entrada do auditório com cenas características da Instituição, o cenário agrícola em face ao ambiente escolar e da pesquisa. 
Essa obra ficou esquecida, sendo "redescoberta" em 2012, pela atual diretora da Biblioteca, Wellita dos Santos e o setor de engenharia da Universidade, no momento da realização de uma reforma. Na ocasição, a reforma foi interrompida e o projeto alterado para salvar o painel. Devido ação do tempo, o painel apresenta alguns sinais de deterioração. É possível observar na imagem abaixo uma região em que a pintura foi apagada devido infiltração.


A importância da obra para a história política e das artes de Pernambuco é facilmente percebida de um modo geral. Contudo, há outro fator intríseco que precisa ser destacado, o valor emotivo e identitário da obra para a Instituição. Funcionários e estudantes serviram de modelo para a pintura, e utilizaram vassouras e baldes para simular enxadas e os demais objetos retratados. 
As informações apresentadas nesta publicação são resultado de pesquisas em livros e artigos, mas principalmente, de entrevista realizada com a diretora da Biblioteca Central, Wellita Bastos, com a Bibliotecária Conceição Martins e o servidor Luciano Francisco da Silva, que foi um dos funcionários que serviu de modelo para a pintura. Infelizmente o senhor Luciano faleceu algum tempo depois de compartilhar conosco informações tão preciosas. Confira o depoimento de pessoas da Biblioteca entrevistadas.

Esta arte expressa através da pintura mural é extremamente importante pelos seguintes aspectos: pelo contexto histórico e político local e nacional dos anos 80, época de sua criação; pelo registro da memória agrícola de Pernambuco retratada a partir do canavia; por estar impregnada dos sentimentos e emoções das pessoas presentes na cena, sejam os servidores-modelos, sejam os servidores que acompanharam o processo e, ainda pela homenagem à memória do servidor Luciano Francisco da Silva, que também posou para a pintura; pela função de transmitir informação para o público frequentador das atividades do auditório e por salvaguardar a memória institucional e coletiva da BC-UFRPE.


    Wellita dos Santos e Luciano da Silva no momento da entrevista

Terminamos este texto agradecendo todas as pessoas que colaboraram com a pesquisa e com um agradecimento especial ao senhor Luciano (in memorian). Este desfecho nos tem motivado a continuar nossos trabalhos de pesquisa, como forma de resgatar e de preservar essa e outras memórias das artes da UFRPE. Se o leitor ficou curioso recomendamos saber mais no site do Projeto Artes da UFRPE e nas referências listadadas abaixo.

Referências

MARTINS, C.; LEITÃO, M. do R. de F. de. Prédio Reitoria da UFRPE: resgate histórico 1935-2009. Recife: Editora Universitária da UFRPE, 2009.
MELO, E. G. S; LIRA, R. P.; LARRÉ, J. M. G. R.; PATELLO, V. C. A.; IANINO, A. M. Primeiros Resultados do Projeto de Catalogação das Artes da UFRPE. In: IV CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISA E ENSINO DE CIÊNCIAS - CONAPESC, 2019, Campina Grande, Editora Realize, Anais [...] Campina Grande, Paraíba, Editora Realize, 2019.
PATELLO, V. C. A.; AMARAL, L. P.; MONTEIRO, J. A.; LIMA, F. B.; MELO, E. G. S. A Redescoberta do Patrimônio Artístico na Formação Sócio-Histórica Cultural de uma Instituição: o caso enigmático da Brigada Portinari da UFRPE. In: IV CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISA E ENSINO DE CIÊNCIAS - CONAPESC, 2019, Campina Grande, Editora Realize, Anais [...] Campina Grande, Paraíba, Editora Realize, 2019.
REMIGIO, E. S. S. As Brigadas Muralistas e as Campanhas de Arraes: arte e política na década de 1980. Recife: CEPE, 2017.



Comentários